A imagem da Depressão: porque ela nos confunde?
Identificar a depressão exige a capacidade de ler pelas entrelinhas e compreender bem o processo. A falta deste entendimento deixa muitos familiares e amigos perplexos com o comportamento de quem está em um quadro depressivo. Isso acontece porque há, principalmente, oscilações – especialmente quando se trata de uma depressão leve. Portanto, é importante saber o que observar de objetivo, em outras palavras, conhecer os aspectos mais concretos e “fáceis” de observar da depressão. Porém, é muito importante também entender os processos subjetivos que podem se manifestar de maneira ambígua neste quadro clínico.
Observação Objetiva
A expressão facial e corporal de uma pessoa com depressão costuma ser o marcador dessa condição. Isso porque é muito improvável que alguém consiga simular esses aspectos, pelo menos por tempo sustentado. Assim como um sorriso genuíno e um sorriso social (sorriso forçado) são percebidos como diferentes, podemos treinar para perceber com clareza a expressão facial das pessoas. Assim, sugere-se que se observe a pessoa em vários contextos, vários momentos e de preferência sem que ela saiba que está sendo observada. Os psicólogos possuem algumas técnicas para isso – considerando que este não é o seu caso, não confie em apenas uma observação e sim em um conjunto delas. Muito cuidado. O fato de alguém simular um determinado estado já pode nos indicar que alguma coisa está errada (mesmo que não seja uma depressão em si).
De modo geral, a pessoa com depressão apresenta um semblante mais triste na maior parte do tempo. Em casos mais leves, o sujeito pode apresentar ainda momentos de alegria, a grande questão é que as boas sensações não se sustentam. Ou seja, tão logo algo que gere prazer ou satisfação passe, a pessoa experimenta uma sensação de tristeza ou pesar. É como se o estado normal, neutro, passasse a ser um estado de sofrimento latente, mesmo que leve. Pessoas em quadros mais severos podem não conseguir experimentar satisfação em momento algum (anedonia) e apresentar o “congelamento do rosto”, ou seja, as vivências não são capazes de evocar emoções.
Além disso, há uma alteração de ritmo do corpo, geralmente se tornando mais lento e cauteloso. A agitação pode ocorrer no lugar, a depender do tipo de depressão. Mas a questão a ser observada é a mudança em relação ao padrão da própria pessoa.
Além de um rosto mais triste ou sem expressão (congelado) e um corpo mais lento, com maior tempo de resposta para as ações e reações, é comum que haja negligência em relação ao autocuidado. Ou seja, os deprimidos tendem a se tornar mais relapsos com roupas e a estética de modo geral (o importante aqui não é fazer um juízo de quanto a pessoa se cuida ou não, mas observar uma mudança de padrão nesse sentido – precisamos sempre avaliar a mudança na própria pessoa e não comparar o comportamento dela com de outras pessoas ou com nossas expectativas).
Observação Subjetiva
O grande desafio de compreender a depressão é por ela ser invisível em grande medida. Os aspectos objetivos apenas refletem que há algo internamente. Esse aspecto subjetivo pode ser identificado pelo discurso do sujeito, quando se está atento a comunicação (tanto verbal, quanto não-verbal). Internamente o sujeito geralmente experimenta o tripé cognitivo da depressão, que segundo Aaron T. Beck constitui em uma visão negativa de si, do mundo e do futuro. Portanto, compreender o que o deprimido quer dizer com o que diz, em outras palavras, o texto implícito do que é dito, pode revelar padrões de pensamento que estão alinhados com a depressão.
A depressão apresenta 4 classes de sintomas, ou seja, engloba nossas diversas esferas psíquicas. Cada uma dessas áreas apresenta diversos sintomas e nem todos precisam estar presentes para se identificar uma depressão. A quantidade e intensidade de cada sintoma precisa ser levada em conta para compreender cada caso e isso precisa ser avaliado por um profissional.
Manifestações Emocionais
Refere-se a mudanças nos sentimentos ou comportamentos diretamente atribuídos a seu estado emocional. Por exemplo, uma pessoa pode, em razão de uma tristeza mais profunda, não se alegrar com um presente recebido de uma pessoa querida ou mesmo se tornar indiferente a um encontro de família que antes lhe era caro. Os sintomas mais comuns são: humor deprimido, sentimentos negativos em relação a si próprio, redução da satisfação, perda de vínculos emocionais, crises de choro e perda do “senso de humor”.
Manifestações Cognitivas
Refere-se as alterações no campo dos pensamentos. Há uma tendência ao pessimismo e negativismo, podendo se tornar tão rígido que não se modifica mesmo com evidências objetivas diferentes. Os principais sintomas são: autoavaliação negativa, expectativas negativas, autorrecriminação e autocrítica, indecisão e distorção da imagem corporal.
Note que alguns dos sintomas são mais óbvios para a visão do senso comum que percebe a depressão como tristeza profunda: a pessoa vai se achar uma merda (autoavaliação negativa), vai achar que tudo dará errado (expectativas negativas) – mas em um quadro mais leve (ou inicial) ela pode apresentar apenas dificuldade de decidir as coisas e a cognição negativa pode ser omitida (ela pode pensar negativamente mas não compartilhar essas percepções).
Manifestações Motivacionais
Relaciona-se com desejos e impulsos do organismo. Há uma tendência regressiva nos quadros de depressão, ou seja, a pessoa sente-se atraído a atividades que exigem o menor grau de responsabilidade ou iniciativa requerida. Os principais sintomas são: paralisia da vontade, desejos de evitação, desejos suicidas e aumento da dependência.
De maneira geral, esse tipo de alteração é percebida como quando a pessoa não tem vontade de fazer nada. Ela pode sentir que tudo dá trabalho demais e isso se associar com a manifestação física de peso corporal e/ou com uma visão negativa de futuro, ou seja, não vê sentido em fazer nada, já que ela já sabe que tudo dará errado e nada valerá a pena ou o esforço.
Manifestações Físicas
Este aspecto demonstra que a depressão é um fenômeno que implica em alterações reais na vida das pessoas. Ou seja, não é “apenas” uma questão emocional ou apenas falta de vontade ou preguiça do sujeito. São aspectos que tornam mais evidente um quadro depressivo e que nos ajudam a diferenciar de alterações mais naturais. Seus principais sintomas são: alteração de apetite, perturbação do sono, perda de libido, fatigabilidade, além de delírios e alucinações em quadros mais severos.
Agitação e Retardo na Depressão
Enquanto se espera que a tristeza e a lentificação sejam a resposta padrão de uma depressão, perde-se de vista os aspectos essenciais que podem explicar essa alteração de ritmo das pessoas com depressão.
RETARDO: O sinal mais marcado do retardo psicomotor é a redução da atividade espontânea. O pessoa tende a permanecer na mesma posição por mais tempo que o usual e a usar o mínimo de gestos. Os movimentos são mais lentos, como se o corpo estivesse sobrecarregado. O caminhar é devagar e com frequência com uma postura arqueada e arrastando os pés. A fala mostra menos espontaneidade, a pessoa geralmente fica mais em silêncio e interage com poucas palavras – o tom de voz e a intensidade da voz também estão reduzidos com fala monocórdica. Entende-se que esta pessoa adota uma postura de resignação passiva frente a sua vivência.
AGITAÇÃO: a principal característica é a atividade incessante. Eles não conseguem ficar sentados quietos e se movem constantemente. Transmitem uma sensação de inquietação e perturbação, pois não desempenham uma atividade construtiva com essa energia. Transmite realmente a noção de agitação, energia sem foco, bagunçada. As emoções de furor e angústia são congruentes com seus pensamentos, como “porque fiz isso?” ou “o que vai ser de mim?”, são exemplos. Entende-se que essa pessoa apresenta uma postura que não suporta a tortura antevista, o comportamento agitado parece representar a tentativa desesperada de lutar contra a maldição iminente.
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Se entendermos que a lógica interna de uma pessoa com depressão pode ser profundamente diferente da nossa (quando não estamos nesse estado), torna-se claro que sugerir nossas próprias estratégias e soluções pode não só ser ineficaz, como também prejudicial. A intenção de ajudar, quando mal direcionada, pode gerar frustração tanto para quem tenta ajudar quanto para quem sofre.
Imagine, por exemplo, que você veja seu vizinho pintando a casa com um pincel. Notando que isso não é eficiente, você sugere que ele use um rolo de pintura, explicando que será muito mais rápido e fácil. No entanto, ao receber sua sugestão, o vizinho fica constrangido porque não possui um rolo. Ele não apenas é incapaz de aplicar sua dica, mas também se sente inadequado por não ter pensado nisso antes ou por não possuir os recursos necessários.
Para uma pessoa com depressão, essa situação é amplificada. Quando sugerimos “pensar positivo” ou “ser mais otimista”, estamos oferecendo ferramentas que, na prática, ela pode não ter à disposição. Essa desconexão pode reforçar sentimentos de incapacidade e fracasso, elementos centrais do quadro depressivo. Ao invés de ajudar, isso aprofunda a sensação de inadequação e isolamento.
Veja alguns relatos de pessoas que passaram por quadros depressivos:
o mundo ao redor parece um “nevoeiro”, e enquanto outros enxergam uma pessoa desmotivada, na realidade, há uma luta interna gigantesca para realizar tarefas simples como levantar da cama ou comer. Esse esgotamento interno não é visível, o que pode levar outros a julgarem erroneamente como preguiça ou falta de vontade
mesmo rodeada de amigos e familiares, o esforço de “me abrir” emocionalmente parece ser demais. A vergonha de parecer “fraca” ou o medo de sobrecarregar os outros com meus sentimentos faz com que eu prefira guardar tudo para mim. E assím, só aumenta meu sentimento de solidão.
No Brasil, mais de 11,5 milhões de pessoas sofrem com a depressão, tornando-a uma das principais causas de incapacidade no país e no mundo. O que é ainda mais alarmante é que, mesmo com opções de tratamento disponíveis, mais de 50% dessas pessoas não recebem o tratamento adequado. Isso significa que, a cada duas pessoas com depressão, uma está sendo tratada de forma incorreta ou, pior ainda, não está recebendo nenhum tipo de tratamento
- Não recebem o tratamento adequado: 50%
- Quantas pessoas melhoram com o tratamento adequado? 70%
Agora, pense: você tem certeza de que a pessoa que você ama está recebendo o apoio necessário? Sabia que cerca de 70% das pessoas que seguem o tratamento adequado conseguem uma melhora significativa em seu quadro? Isso nos mostra que o tratamento certo faz toda a diferença!
O caminho para superar a depressão é interdisciplinar. A medicação, isoladamente, não é suficiente. Para que o tratamento tenha sucesso, ele deve ser combinado com acompanhamento psicológico contínuo e um ambiente de apoio social adequado. Esse apoio permite que a pessoa deprimida se reconstrua, cercada de compreensão, empatia e estratégias adequadas.
Não deixe que você ou alguém que você ama seja mais uma dessas pessoas que não recebem o tratamento adequado. Com o suporte certo, a recuperação é possível. E estamos aqui para ajudar você a encontrar esse caminho.
Como posso me tornar uma pessoa capacitada para ajudar alguém com depressão?
Apoiar alguém com depressão é um ato de profundo cuidado. No entanto, antes de se lançar nessa jornada, é essencial refletir: estou disposto a assumir esse papel? Não somos diretamente responsáveis pela saúde mental de outra pessoa, mas quando amamos alguém, a vontade de ajudar fala mais alto do que qualquer obrigação. Se você decidiu estar presente e apoiar, existem competências essenciais que podem fazer toda a diferença. Vamos conhecer algumas delas:
1. Uso Inteligente da Empatia
A empatia é uma ferramenta poderosa, mas, quando mal utilizada, pode drenar suas energias. A empatia cognitiva permite que você compreenda os sentimentos e pensamentos da outra pessoa sem absorver suas emoções. Evitar a empatia emocional excessiva é crucial para não se deixar levar pela exaustão emocional, que pode prejudicar sua capacidade de apoio a longo prazo. Essa abordagem mais racional e equilibrada é essencial para manter sua saúde mental e continuar ajudando.
2. Escuta Ativa
Saber ouvir é fundamental quando se trata de oferecer apoio a alguém com depressão. A escuta ativa significa ouvir sem interrupções, sem pressa de responder, e mostrando genuíno interesse pelo que o outro tem a dizer. Geralmente ser escutado é mais importante do que receber conselhos. Estudos indicam que a validação dos sentimentos, sem pressa para solucioná-los, pode reduzir o isolamento emocional que o depressivo frequentemente sente.
3. Comunicação Não-Violenta
Saber o que dizer — e como dizer — é tão importante quanto ouvir. A comunicação não-violenta foca em transmitir sua mensagem sem julgamentos ou críticas. É necessário ser cuidadoso para não reforçar pensamentos negativos, típicos da depressão. Ao mesmo tempo, é essencial não forçar uma visão otimista que o deprimido não consegue aceitar. A linguagem deve ser suave e sensível, respeitando o momento e o estado emocional do outro.
4. Resolução de Conflitos
Conflitos, tanto internos quanto externos, são comuns em relações com pessoas deprimidas. Saber identificar e mediar esses conflitos é crucial para uma convivência saudável. A entrevista motivacional pode ser uma excelente ferramenta para ajudar a pessoa a explorar e resolver seus próprios conflitos internos, promovendo avanços no processo terapêutico. Além disso, no dia a dia, é comum que a pessoa com depressão dependa mais de quem está ao seu redor, o que pode gerar tensões. Saber resolver essas situações sem desgastar a relação é uma habilidade essencial.
5. Paciência e Resiliência Emocional
A recuperação de uma pessoa com depressão pode ser lenta e imprevisível. Desenvolver paciência para respeitar o tempo do outro é fundamental. Resiliência emocional, a habilidade de enfrentar o estresse e se recuperar rapidamente, é igualmente importante. Ajudar alguém com depressão pode ser desgastante, e você precisará manter sua estabilidade emocional para continuar apoiando, sem se perder no processo. Lembre-se, sua vida e suas atividades continuam, e a resiliência ajuda a equilibrar essa função de cuidador com seus próprios projetos e bem-estar.
6. Conhecimento sobre Saúde Mental e Hábitos Saudáveis
Ter uma noção dos fatores que impactam a saúde mental — como sono, alimentação e atividade física — é fundamental. Pequenos ajustes nesses hábitos podem trazer grandes resultados, mas é importante que esses estímulos sejam oferecidos de forma leve e gradual. Pressionar a pessoa a “se cuidar” pode ter o efeito contrário. A sensibilidade aqui é essencial, pois esses hábitos podem ser ajustados com base na empatia cognitiva e na comunicação não-violenta.
Essas competências podem ser desenvolvidas, e ao adquirir essas habilidades, você não apenas será capaz de ajudar alguém com depressão, mas também se tornará uma pessoa mais forte e consciente em suas próprias relações. O impacto positivo vai além da função de cuidador, melhorando sua comunicação, suas emoções e seus relacionamentos de forma ampla.
E para apoiar você nessa jornada, criamos o “Além do Amor”, um espaço exclusivo para quem deseja se capacitar e aprender a ser um melhor apoiador. Conduzido por especialistas, oferecemos suporte a quem enfrenta esses desafios e deseja evoluir como cuidador e como pessoa. Junte-se a nós e descubra que somos mais fortes juntos. Você é bem-vindo!
Participar do nosso grupo não é apenas uma escolha, é uma demonstração de amor.
![](https://rafaelbauth.com.br/wp-content/uploads/2024/10/psychologist-illustration-01-1.png)
Resumo do Artigo
A Depressão é Paradoxal
Você percebeu que não deve usar a sua lógica ou o senso comum para compreender e ajudar alguém com depressão. Este quadro clínico, por mais que possua similaridades com a experiência emocional não é o mesmo que uma tristeza profunda e seus sintomas podem variar bastante e inclusive oscilar.
Cuidado com a Empatia
Você aprendeu que a empatia deve ser utilizada com sabedoria para ajudar alguém com depressão. Saber expressar a compaixão e desenvolver a empatia cognitiva (compreender melhor o funcionamento da depressão) serão essenciais. Contudo, a empatia emocional pode favorecer um quadro de esgotamento emocional tornando insustentável a relação de apoio e cuidado.
As Competências para Ajudar Alguém com Depressão
Você aprendeu que há diversas competências para que o apoio ao depressivo seja efetivo e sustentável: escuta ativa, uso inteligente da empatia, comunicação não-violenta, estratégias de resolução de conflitos, paciência e resiliência emocional, conhecimento de hábitos de saúde e seu impacto na saúde mental são alguns exemplos.
Você Não Precisa Estar Sozinho
Você conheceu o Grupo Terapêutico | Além do Amor – destinado a ajudar pessoas como você, que desejam se capacitar para cuidar de quem amam. Você descobriu que só o amor não basta (por mais frustrante que isso seja), e que um grupo de apoio pode te ajudar a desenvolver as habilidades necessárias, receber apoio e compartilhar vivências e informações sobre o desafio que é cuidar de alguém com depressão.